Meus dedos, feito folhas secas, tremem
e deslizam imperfeitos sobre a palheta.
E as cores que, depositadas na tela feito sêmen,
brotam e compõem magníficas silhuetas.
Meus ossos, tortos feito galhos, estão largados ao chão,
como resíduos daquele longo e intenso anoitecer,
pelos traiçoeiros e ruidosos ventos da outra estação,
sem que pudesse a devastação sazonal prever.
Meu corpo retorcido feito as árvores do Cerrado,
seco e rachado sobre o chão vermelho e quente,
aspira, como nunca, as águas de seu rio triunfado,
molhar a terra mosaicada e fértil, docemente.
Meus olhos, feito gigantescos vaga-lumes,
brilham perdidos dentro das noites escuras e frias
à procura de libélulas que os conduzam ao cume
das manhãs reluzentes e completas de euforias.
Meus pensamentos vazios percorrem o céu
como nuvens vadias, brindam em acrobacias
e fazem das águas a cair um verdadeiro escarcéu
que banha a face e os jardins das farroupilhas.
Meus passos não sabem onde vão chegar,
sabem que percorrem na direção trilhada
das migalhas de pão dos contos de ninar,
às grandes marcas numa mulher – talhada.
Nanda Braga
segunda-feira, 14 de junho de 2010
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